Fernanda Werner, 26 anos, fez parte da segunda turma do curso de Engenharia Nuclear da Escola Politécnica da UFRJ. Graduada em 2017, atualmente mora em Paris, na França, onde cursa um mestrado duplo diploma voltado para o mercado de trabalho e indústria europeia, na InnoEnergyMaster’sSchool.
Convidada pela SEEN – Seção Estudantil da Engenharia Nuclear da Poli-UFRJ para palestrar da 1ª Semana da Ciência Nuclear, promovida pelo braço latino-americano da American Nuclear Society, Fernanda esteve no último dia 23 na Poli para contar um pouco de sua experiência.
Nesta entrevista, dá dicas para os interessados em estudar fora, fala sobre sua trajetória, da concentração das oportunidades de trabalho no setor público no Brasil e do fato de ser mulher num ambiente ainda predominantemente masculino. Ela concluirá o mestrado em outubro e pensa em seguir carreira no mercado francês até que tenha oportunidade de trabalho na indústria nuclear brasileira.
O que você pode dizer para os estudantes de Engenharia Nuclear e também de outras áreas com interesse em estudar no exterior, a partir da sua experiência?
Primeiramente tenho de dizer que a UFRJ forma profissionais extremamente qualificados para o setor nuclear que, infelizmente, não são absorvidos pelo mercado brasileiro. Mas as oportunidades existem e é preciso estar aberto e fora da zona de conforto. Saber que há um enorme mercado internacional da indústria nuclear, que pode absorver essa mão de obra.
Quem tem vontade de morar e estudar fora ou até mesmo ingressar no mercado de trabalho internacional precisa ser proativo, participando das palestras que a Poli organiza ou de feiras onde é possível ter contato com as universidades e programas oferecidos lá fora, além de ter o hábito de pesquisar. O mestrado que faço, por exemplo, encontrei pesquisando no Google. Não se pode esperar que as coisas venham até você.
Também é necessário falar uma segunda língua. O mais comum é o inglês, mas para o setor nuclear também é importante estudar francês. Igualmente importante buscar atividades que propiciem lições e experiências que não se aprende em sala de aula, como iniciação cientifica, participação em seções estudantis, organização de eventos universitários como as semanas de engenharia da Poli, por exemplo.
Você enfrentou ou enfrenta dificuldades no mestrado? Fez ou faz diferença ter feito a formação no Brasil, onde não temos investimentos no setor nuclear tão forte como na França?
Academicamente, enfrentei poucas dificuldades, pois a preparação que nós temos na UFRJ é específica para o setor nuclear. No curso de mestrado, eu era a única que tinha uma graduação em Engenharia Nuclear e os outros estudantes tinham formação em Engenharia de Energia, Mecânica ou de Materiais. Eu tinha um conhecimento prévio de muitos assuntos que eram tratados.
A formação lá fora me permitiu conhecer o setor nuclear tanto espanhol quanto francês. Tenho uma opinião crítica de como o setor nuclear funciona nos diferentes países, como é a relação com a sociedade, o governo, e quais são os diversos órgãos e instituições que atuam dentro da indústria nuclear brasileira, espanhola e francesa.
Particularmente, a França tem um setor nuclear muito forte, que é referência internacional. Um ponto que percebo é a ampla oferta de vagas para recém-formados – as empresas francesas têm interesse em desenvolver esses novos profissionais no mercado de trabalho e, por isso, geram essas oportunidades.
E o fato de ser mulher? Você nota diferenças importantes em relação à igualdade de gênero no ambiente acadêmico no Brasil e na França?
O fato de ser mulher, engenheira ou não, sempre foi algo pessoalmente motivador. É inevitável admitir que a sociedade na qual vivemos ainda é extremamente patriarcal. Porém, me alegro em perceber que a geração da qual faço parte se mobiliza fortemente para transformar esse cenário de uma vez por todas.
Dentro da Poli, já participei de coletivo de mulheres e no mestrado organizei eventos que buscavam reunir mulheres que atuavam em diversos setores tecnológicos para debater o assunto e seus respectivos papeis de liderança. Quando entrei para a Engenharia Nuclear, éramos três mulheres, 10% da turma. Observo que na Poli, existe um grande número de alunas mulheres, com algumas variações dependendo do curso.
E é esse cenário que precisamos incentivar: cada vez mais mulheres recebendo educação de alto nível, atuando no mercado de trabalho, tomando decisões, desenvolvendo pesquisas, gerando conteúdo não misógino e criando algoritmos de inteligência artificial que não perpetuarão uma sociedade machista.
De uma forma geral, ambos os ambientes brasileiro e francês ainda exigem um constante e diário esforço da parte das mulheres para lidar e, sobretudo, não aceitar situações de preconceito. No entanto, hoje o Brasil vive um momento delicado e até tenebroso, de retrocesso em termos de direitos humanos e, também, das mulheres especificamente. Me preocupo que todo o delicado progresso social conquistado no país nas últimas décadas seja perdido.
Como você avalia o mercado de trabalho no Brasil e qual a imagem que franceses ou europeus, estrangeiros de modo geral, têm sobre a Engenharia Nuclear brasileira?
O mercado de trabalho nuclear no Brasil está basicamente concentrado no setor público, e depende de abertura de concursos públicos para novas contratações. Temos a Eletronuclear, que é a operadora dos reatores; a CNEN, que é a Comissão Nacional de Energia Nuclear, órgão regulador; os projetos do submarino nuclear e do reator multipropósito, que são de uma forma geral responsabilidade da Marinha e da Amazul, com profissionais do corpo de engenheiros da Marinha e alguns civis concursados. E, hoje em dia, são de fato as únicas oportunidades na área.
Com o triste atual contexto nacional referente ao desenvolvimento cientifico e tecnológico e, particularmente, a falta de incentivo ao setor nuclear, a necessidade identificada há 10 anos atrás de formação de profissionais para suprir a demanda dos projetos do planejamento energético nacional, que incluía a construção de pelo menos seis novos reatores nucleares no país, é ignorada, e as oportunidades para atuação no mercado nacional são limitadíssimas.
Na França, eles ficam impressionados pelo nível de conteúdo que me foi ensinado. Não é muito comum essa formação nuclear específica lá fora, e chega até a ser controverso. A mão de obra é formada no país, mas ela não consegue ser absorvida pelo mercado nacional e, por isso, existem muitos ex-alunos brasileiros atuando na França.
O que pode ajudar a mudar o cenário de um certo temor em relação à produção de energia nuclear no Brasil, provocado principalmente pelo desconhecimento em relação à segurança das usinas?
A principal maneira para tentar transformar o cenário de aversão à geração de energia nuclear é a comunicação. É importante que todos os órgãos, instituições e pessoas que atuam no setor nuclear – órgãos operadores e reguladores, universidades, estudantes, cientistas e acadêmicos – tenham um diálogo transparente e aberto com a sociedade.
O cenário não vai mudar de uma hora para outra. É um projeto de longo prazo e acredito que está sendo bem feito e liderado pela UFRJ, sobretudo, e por muitos órgãos do setor nuclear brasileiro.
Também é importante a participação do governo para desenvolver uma política de planejamento nuclear para os próximos anos, que consiga atingir não só a sociedade adulta, mas também jovens que estão no ensino médio e já têm um certo discernimento para entender sobre o tema. Até porque as escolas têm ensinado e discutido sobre energias renováveis e sustentáveis, e a nuclear, que é uma energia limpa, sustentável, muitas vezes é omitida dessa discussão.
É importante abrir o debate para que as pessoas entendam, sejam informadas e possam formar um pensamento crítico, ter suas próprias opiniões. A indústria nuclear possui elevado domínio tecnológico, de ponta. O fator segurança é a prioridade de qualquer instalação nuclear, seja ela de geração de energia, de tratamento de resíduos, médica etc. Acho importante que a sociedade saiba que o objetivo fundamental da segurança nuclear é proteger pessoas e o meio ambiente dos efeitos nocivos da radiação ionizante.
Os riscos atrelados aos processos desempenhados em uma instalação nuclear são exaustivamente analisados e reduzidos através da aplicação de sistemas de redundância e mecanismos de contenção da radiação. Além disso, importante que entendam que a radiação em si é algo natural e não, necessariamente, prejudicial à saúde. Ela está presente no nosso dia a dia, em alimentos como a banana, nas construções de edificações, no sol e até mesmo nas radiações cósmicas durante uma viagem de avião. Por isso, a comunicação é o caminho para estimular a aceitação pública da energia nuclear, para desmistificar e informar sobre o assunto. Nós, profissionais da área temos que estar sempre abertos a dialogar com o público.