Um grupo de engenheiros formados em 1968 pela Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil, como era denominada a Escola Politécnica da UFRJ (Poli-UFRJ), reuniu-se em novembro para celebrar os 50 anos de formatura da primeira turma de Engenharia da instituição a concluir o curso no campus do Fundão. A cerimônia aconteceu no CT- Centro de Tecnologia da UFRJ, com a presença do representante da turma, prof. Cláudio Luiz Baraúna, que juntamente com os demais alunos da época, descerrou placa alusiva na Poli-UFRJ.
“Uma turma que honrou suas tradições e ao mesmo tempo mudou a engenharia brasileira”, assim o prof. Baraúna, ex-diretor da Escola de Engenharia da UFRJ (de 90 a 94), ex-decano do CT – Centro de Tecnologia da UFRJ (de 94 a 98 e de 2002 a 2006), e professor da Poli-UFRJ há 48 anos, define a turma “Povo Brasileiro”, que contou com a primeira engenheira Naval formada no país.
“Vivíamos um contexto político complicado em nosso país, período de manifestações a favor das liberdades individuais e contra qualquer tipo de censura.O patrono da turma, por exemplo, foi o povo brasileiro, pois entendíamos que a sociedade era responsável por nossa formação, a quem devíamos o nosso ensino público e gratuito. Já os paraninfos escolhidosforam o cientista César Lattes e o ex-presidente Juscelino Kubitschek- que foi cassado. Essas escolhas não eram usuais”, conta. Em seu discurso na cerimônia do mês passado, o prof. Baraúna, aos 73 anos, lembrou trechos do discurso feito aos 23.
“Prometo que não me deixarei cegar pelo brilho excessivo da tecnologia. Não esquecer que trabalho para o bem do Homem e não da máquina. Respeitarei a natureza. Colocar todo meu conhecimento científico a serviço do desenvolvimento da humanidade”. Parece que as promessas poderiam ser repetidas pelos formandos de hoje.
E acrescentou: “Décadas se passaram. Colegas se mudaram, alguns partiram, nos deixando a eterna lembrança, outros não foram localizados. Em 2018, apenas uma fração das turmas conseguiu se reunir. Continuamos unidos, pelas mesmas nobres causas, pelos mesmos ideais de progresso e desenvolvimento do Brasil”.
Do Largo de São Francisco para o Fundão
Segundo o prof. Baraúna, a transição da Engenharia, que funcionava no prédio histórico do Largo de São Francisco, para a Ilha do Fundão, foi decidida após análise dos próprios alunos em relação à estrutura da universidade. “Havia uma certa relutância para transferência, por conta da infraestrutura precária, mas a nossa turma resolveu entrar na campanha de fazer a mudança, pois entendíamos que as instalações do Largo já estavam superadas. O prédio não dispunha de espaço suficiente e os laboratórios eram antigos. Politicamente, também considerávamos que todas as unidades da universidade deveriam ficar concentradas no mesmo campus. Forçamos a mudança e conseguimos”, recorda.
Com isso, cerca de 500 alunos começaram a estudar no campus da Ilha. As instalações apresentavam diversas dificuldades, mas que não impediram a consolidação da proposta de mudança. “A gente estudava ao som das picaretas e britadeiras, com constantes problemas de energia elétrica, água, alimentação, segurança e transporte. Mas, por fim, a turma se formou no dia 4 de dezembro, no Maracanãzinho, pouco antes do Ato Institucional Nº 5, AI-5, de 68”, comenta Baraúna.
O professor diz que sempre faz questão de destacar em seus discursos, ao longo desses 50 anos, sobre a importância de preservar a memória do Largo de São Francisco, e na cerimônia recente não foi diferente. “Nossa turma tem a consciência de que somos os pioneiros, responsáveis pela formação de engenheiros que construíram o nosso país. O prédio do Largo foi o primeiro construído para abrigar uma instituição de ensino superior, tendo uma simbologia grande para todos nós. Era um celeiro pelo qual passaram grandes nomes da física, matemática e engenharia”.
Graduação de alto nível com manutenção de conteúdos mínimos nos currículos
Para o ex-diretor, a existência do Centro de Tecnologia é a prova de que os esforços foram bem-sucedidos. “É uma glória para nós ver o que temos hoje. Uma quantidade expressiva de modernos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento. Tudo muito bem definido e organizado. Nossa graduação, assim como a pós-graduação, é de alto nível, reconhecida mundialmente”, celebra. E faz ressalvas preocupantes ao vislumbrar o cenário que está sendo proposto pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) para formação dos engenheiros:
“É um absurdo. Trata-se de um abastardamento da profissão e, no que depender de nós, vamos lutar contra isso. Não é possível formar um engenheiro sem os sólidos conhecimentos de ciências básicas. Engenharia não é isso que estão querendo fazer. Modernizações são necessárias, mas não a esse custo”, conclui Baraúna, que é mestre em Engenharia Oceânica pela Coppe/UFRJ,e PhD em Naval Architecture and Shipbuilding pela University of Newcastle, Inglaterra.